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Outros Artigos Relacionados

O DIREITO À MORTE DIGNA

Wanderson Lago Vaz. Mestre em Direito (Cesumar). Professor da UNIPAR, campus Paranavaí e da UNESPAR, campus Fafipa.
Bruna de Oliveira Andrade. Bacharelanda em Direito – UNIPAR, campus Paranavaí (integrante do PIC – programa de iniciação cientifica).

RESUMO: O avanço da medicina trouxe imenso benefício à espécie humana. Não se morre mais por doenças que, em alguns anos atrás, eram letais. Contudo, esses mesmos avanços científicos proporcionaram efeitos negativos, principalmente no tocante ao “processo de morrer” que se tornou cada vez mais penoso, graças à implantação de novas tecnologias que permitem adiar a morte por tempo indeterminado. Nesse contexto, é cada vez mais comum referir-se ao direito de morrer dignamente em casos nos quais os pacientes se encontram em fase terminal, cujo processo de morrer pode se prolongar indefinidamente. Diante disso, discute-se a possibilidade do ser humano dispor de sua vida, quando sua manutenção está prejudicada ou limitada pelo tempo, como no caso de doenças incuráveis ou quadro médico irreversível. Quando se apresenta ao profissional um caso assim, ele se vê diante de um dos maiores dilemas bioéticos atuais, se é mais digno e humano manter o paciente vivo a qualquer custo ou abreviar seu sofrimento. A ortotanásia se apresenta como o método mais humanizado, vez que permite a pessoa escolher sua morte da maneira que acha mais digna. 

 PALAVRAS-CHAVE: Direito Constitucional, dignidade humana, morte digna.  

SUMMARY: The advancement of medicine has brought immense benefit to mankind. It does not die again for diseases that in some years ago, were lethal. However, these same scientific advances have provided negative effects, especially regarding the “dying process” that has become increasingly painful, thanks to the deployment of new technologies to postpone death indefinitely. In this context, it is increasingly common to refer to the right to die with dignity in cases where patients are terminally ill, whose dying process can last indefinitely. Therefore, we discuss the possibility of the human being have his life when maintenance is impaired or limited by time, as in the case of incurable diseases or irreversible medical condition. When presented to the professional a case, he finds himself facing one of the greatest current bioethical dilemmas, it is more dignified, humane keep the patient alive at all costs or shorten their suffering. The orthothanasia presents itself as the most humane method, as it allows the person to choose his death the way you find most worthy.  

KEYWORDS: Constitutional rights, human dignity, dignified death. 

SUMÁRIO: 1 – Notas introdutórias; 2 – Conceito de Morte; 3 – Aspectos Históricos e Religiosos da Morte; 4 – Dignidade da Pessoa Humana;  5 – Princípio da Autonomia da Vontade6 –  Eutanásia, Ortonásia, Distanásia  e Suicídio Assistido; 7 – Direito à Morte Digna; 8 – Conclusão; 9 – Referência bibliográficas.

  1. Notas introdutórias

O direito à vida é o principal direito fundamental protegido pela Constituição Federal. É a partir dele que os demais poderão ser exercidos pelo indivíduo plenamente.

Após as guerras mundiais e os horrores do holocausto se fez necessário que as nações se reunissem para firmar a proteção a dignidade da pessoa humana por meio de tratados, e são neste que se encontram, principalmente, a tutela da vida humana.

Objetivando garantir o cumprimento de tal direito, de todas as formas possíveis, a tecnologia médica tem avançado e o ser humano tem sua vida prolongada cada vez mais, pelas mais variadas técnicas de suporte à saúde, tratamentos à doenças e terapêuticas reparadoras. Desta forma, tem se conseguido evitar, por mais tempo, a única dívida que todo homem possui desde seu nascimento, a morte.

Mas até que ponto a manutenção desmedida da vida de uma pessoa é de fato o cumprimento de seus direitos e de sua dignidade? A imposição de tratamentos médicos a um indivíduo cuja doença foi comprovadamente tida como terminal, incurável, fazendo-o com que esta pessoa sofra com dores, por alguns dias a mais de vida, é garantia de sua dignidade?

Diante destas interrogações, conhecer o conceito e histórico da morte e as implicações legais que dela derivam, bem como a análise do que se trata o princípio da dignidade da pessoa humana, autonomia da vontade e as formas de abreviação da vida de um indivíduo que possui doença incurável. E diante disto, avaliar as melhores possibilidades de  morrer que seja tão digna quanto à de viver.

  1. Conceito de Morte

Os direitos do ser humano no Brasil iniciam-se com o nascimento com vida, conquanto muitos só possam ser exercidos com a maioridade civil e com o indivíduo em sua plena capacidade para tal. Esses direitos cessam com a morte da pessoa natural ou com a declaração de sua ausência, conforme se verifica interpretando o artigo 6º do Código Civil[1].

A medicina determina a morte de uma pessoa com o fim de sua atividade neural, sem que seja possível a reversão deste quadro, mesmo que os demais sistemas anatômicos estejam em pleno funcionamento (respiratório, circulatório, etc) (FAUSTINO, 2008). O sistema neurológico acarreta a morte dos demais em atividade, sua paralisação, consequentemente levará a dos outros.

A morte encefálica consiste, assim, na parada definitiva e irreversível do encéfalo (cérebro e tronco cerebral), onde se situam as estruturas responsáveis pela manutenção dos processos vitais autônomo, como a pressão arterial e a função respiratória, provocando a falência de todo o organismo em questão de tempo. Quando isso ocorre, a parada cardíaca é inevitável. (PESSOA, 2011:33)

 O ordenamento jurídico brasileiro, se utiliza do conceito de morte retromencionado, para determinar o fim da personalidade civil do ser humano. No presente artigo, tem-se que a morte real do indivíduo (primeira parte do artigo 6º do Código Civil)  é caracterizada pelo término da existência da pessoa natural, com fim da possibilidade de adquirir direitos e contrair obrigações.

Logo é possível observar que definição da morte é idêntica para a medicina e para o direito, ou seja, o fim das atividades cerebrais determina que a pessoa pusesse termo a sua existência biológica e jurídica.

  1. Aspectos Históricos e Religiosos da Morte

Em qualquer lugar do mundo, nascer ou morrer, são situações complexas e que geram inúmeras discussões no campo religioso, jurídico, moral, etc. Em nosso país não é diferente, não obstante ser um Estado laico, ou seja, que tem uma posição neutra no campo religioso, conforme disposição constitucional do artigo 5º, inciso VI[2].

Assim, torna-se de fundamental importância, abordar sobre o prisma histórico-religioso a concepção da morte, de como algumas religiões encaravam e encaram até hoje este tema emblemático, o que para cada uma significa morrer dignamente.

Nas diversas concepções da morte, o defunto não morre definitivamente, mas adquire apenas um modo elementar de existência; é uma regressão, não extinção final. Na expectativa de retorno ao circuito cósmico (transmigração) ou de libertação definitiva (ELIADE, 2002:161).

Na Grécia antiga, onde prevalecia o politeísmo, a morte era vista como um processo, que ia desde o momento em que a pessoa está morrendo (doença, ferimentos, etc.) até seu sepultamento. O indivíduo perdia sua individualidade e se transformava para incorporar-se ao cosmos (SANTOS, 2010).

Na Roma Antiga, ainda incursa na religião politeísta, a morte inseria o ser humano entre os homens e os deuses. Suas almas eram consideradas perigosas, por isso o Estado Romano impunha aos familiares do morto um regulamento que os obrigava a realizar os ritos funerários e o sepultamento deste, a fim de aquietar a alma do defunto (BUSTAMANTE, 2011). Posteriormente, quando surge a Roma Cristã, surge a concepção da ressurreição da alma, para tanto o homem deve cuidar e honrar o corpo terreno, sendo a morte o final de sua jornada terrestre (HENRIQUES, 2014).

Na idade média, a morte era algo natural, era recebida com simplicidade, ou seja, havia uma aceitação no final da vida. Ao final deste período, a morte já passou a ser vista com outros olhos, de forma que a morte deixa de ser algo que colocava um fim a vida, pois com esta morte, a pessoa deixava “coisas” para trás, não era apenas uma vida que se encerrava, e sim toda uma construção que ficava, surge assim um romance pela vida, a vida passava a ter valor.

A religião Católica Moderna posiciona-se favorável no sentido de dar um fim ao sofrimento da pessoa, porém não quer dizer que realizar a eutanásia em uma pessoa é o modo correto de se agir, esta igreja aceita a chamada morte encefálica e não a eutanásia, segundo seus religiosos, a pessoa deve estar preparada para a morte, ou seja, não seria aceito o fato da pessoa estar inconsciente, impedindo assim que o mesmo tenha o preparo necessário para a morte. O fato de a igreja pregar que o ser humano foi criado A imagem e semelhança de Deus faz menção ao fato de que Deus é o dono da vida, a pessoa humana é apenas um administrador do corpo e da alma, não podendo ser escolhido morrer de meios diversos ao natural que Deus permite. Para Gonçalves, “a vida não é um bem absoluto que deva ser preservada a todo custo”. (GONÇALVES, 2006: 135).

Os Protestantes, comumente conhecidos por Evangélicos, encaram a morte de maneira mais natural, inclusive por não realizar rituais fúnebres como a maioria das religiões. Desde que o morto tenha aceitado a Jesus antes de morrer, o Protestantismo entende que estará salvo (RIBEIRO, 2013). Através desta concepção da morte como o fim natural do homem, é possível vislumbrar que os fiéis desta vertente religiosa não aceitam a abreviação da vida pelo ser humano, pois para eles apenas o seu Deus decide o destino final dos seres.

O Budismo acredita que todos que nascem um dia irão morrer, porém tal religião acredita também na reencarnação. O fato de interromper a vida adiantando a morte, interfere no processo, pois o morte para eles é algo que se repetirá por muitas vezes, representado pela Roda da Vida, até que o indivíduo alcance o estágio de libertação espiritual (HENRIQUES, 2014).

O Espiritismo acredita na reencarnação[3], portanto para seus seguidores o a pessoa não morre, desencarna, sendo a morte uma mera passagem entre mundos (FERREIRA, 2008). O Evangelho Segundo o Espiritismo trata da abreviação da vida, não aceitando esta possibilidade, pois é através das experiências que o espírito cresce, inclusive próximo a morte (KARDEC, 1869).

Não há dúvidas que cada religião lidam com a morte a sua maneira, com seus rituais próprios ou sem qualquer destes. Mas foi possível verificar que nenhuma delas aceita abreviação da vida por desígnio humano, ou seja, as vias de morrer ou na agonia da morte o homem deve vivenciá-las até o “último suspiro de vida”.

  1. Dignidade da Pessoa Humana

Com o advento da Constituição Federal, o princípio da dignidade humana passou a ter importância ímpar. É a força motriz de todo nosso ordenamento jurídico. É através dele que irradiam todos os demais princípios. A dignidade da pessoa humana constitui-se em uma conquista que o ser humano realizou no decorrer dos tempos, derivada de uma razão ético-jurídica contra a crueldade e as atrocidades praticadas pelos próprios humanos, uns contra os outros, em sua trajetória histórica.

A dignidade é essencialmente um atributo da pessoa humana: pelo simples fato de “ser” humana, a pessoa merece todo o respeito, independentemente de sua origem, raça, sexo, idade, estado civil ou condição social e econômica.  

A Constituição Federal colocou a pessoa humana em destaque, ao dispor que sua dignidade representa um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III)[4]. Trata-se de “uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento”, na lúcida observação de Gustavo Tepedino. 

Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objetivo fundamental de erradicação da pobreza e da marginalização, e de redução das desigualdades sociais juntamente com a previsão do § 2º do art. 5º, no sentido da não exclusão de quaisquer direitos e garantias, mesmo que não expressos, desde que decorrentes dos princípios adotados pelo texto maior, configuram uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento.  (TEPEDINO, 1999:48).

Carlos Alberto da Mota Pinto vincula a noção de personalidade jurídica à idéia de dignidade da pessoa humana, que se valoriza com o reconhecimento de um círculo de direito direitos e personalidade. (PINTO, 1975:62-63)  

Renan Lotufo conta que os direitos de personalidade passaram a ter uma relevância maior depois da Segunda Guerra Mundial, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O autor aponta a dignidade como fundamento dos direitos de personalidade ao vincular o crescimento de tais direitos à inserção do respeito à dignidade humana nos novos sistemas constitucionais. (LOTUFO, 2002:81)

Tal afirmação decorre do fato de ser o princípio da dignidade um princípio matriz, devendo ser lido e  interpretado em todo o ordenamento pátrio brasileiro.

O princípio da dignidade da pessoa humana deve sempre ser respeitado por todos, inclusive pelo Estado que tem a responsabilidade de proteger e promover as condições que viabilizem a vida com dignidade.

O legislador ao estabelecer uma norma deve verificar se esta ofende ou não à dignidade humana.

O direito à vida é, sem dúvidas, um dos mais importantes direitos assegurados por este princípio. E está intimamente ligado às garantias fundamentais e aos direitos de personalidade da pessoa natural, sendo encontrado no caput do artigo 5º da Carta Maior[5], inaugurando o rol dos direitos e garantias fundamentais e no artigo 4º, item 1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos[6].

O direito à vida, por ser essencial ao ser humano, condiciona os demais direitos da personalidade. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, caput, assegura a inviolabilidade do direito à vida, ou seja, a integridade existencial, consequentemente, a vida é um bem jurídico tutelado como direito fundamental básico desde a concepção, momento específico, comprovado cientificamente, da formação da pessoa. (DINIZ, 2009:21)

Considerado o direito mais importante dos fundamentais, não é concedido pelo Estado, mas apenas reconhecido, pois pertencente ao homem. Apesar disto, ainda veda-se a disposição da vida por seu “dono” como e quando este bem entender, devido à influência religiosa no ordenamento jurídico, que trata a vida como uma “dádiva divina” (PESSOA, 2011).

A autonomia conferida por este princípio fundamental deveria ser o bastante para permitir que o ser humano tome as decisões quanto a sua vida e morte. Pois o cerne deste é que o indivíduo seja um meio em si mesmo, o senhor de si e que defina seus próprios desígnios (CUNHA, 2012)

Contudo, apesar de ser o senhor de sua vida, o indivíduo não tem autonomia para dispor de sua vida como e quando quiser. O ordenamento jurídico brasileiro ao tratar a vida como um bem indisponível acaba por minar a autoridade que o indivíduo tem sobre ela, e acaba por ser colocada este bem sob o domínio estatal (PESSOA, 2011). O que se demonstra irracional, já que a vida não é um direito dado pelo Estado aos seus, mas apenas reconhecido.

Não se pode questionar que o reconhecimento do Princípio da Dignidade Humana pelos Estados democráticos tem garantido que os direitos e garantias fundamentais do homem sejam cumpridos. Entretanto, algumas vedações a disponibilidade de alguns bem jurídicos, como a vida, pode colocar em cheque certos conceitos deste princípio. Toma-se por exemplo o homem que sofre em agonia devido a uma doença, sem tratamento ou cura, em um país onde a saúde pública é precária, por quanto tempo viverá prolongando sua vida nestas condições? Mantê-lo vivo, quando seu desejo é por termo ao sofrimento, pode ser considerado respeitar sua dignidade?

  1. Princípio da Autonomia da Vontade

O princípio da autonomia é o que dá à pessoa, direito de decidir sobre sua própria vida, sobre a submissão, ou não, a tratamento ou pesquisas médico-científicas. Marcelo Dias Varella, Eliana Fontes e Fernando Galvão da Rocha definem o princípio da autonomia da seguinte maneira:

[…] refere-se à capacidade de autogoverno do homem, de tomar suas próprias decisões, de o cientista saber ponderar, avaliar e decidir sobre qual método ou qual rumo deve dar a suas pesquisas para atingir os fins desejados, sobre o delineamento dos valores morais aceitos e de o paciente se sujeitar àquelas experiências, ser objeto de estudo, utilizar uma nova droga em fase de testes, por exemplo. O centro das decisões deve deixar de ser apenas o médico, e passar a ser o médico em conjunto com o paciente, relativizando as relações existentes entre os sujeitos participantes […]. (VARELA, FONTES, ROCHA, 1998: 228)

Mas tal princípio jamais poderão olvidar da dignidade da pessoa humana. Princípio matriz e erradiador de todos os demais direitos. Ingo Wolfganf Sarlet preleciona que:

Com o reconhecimento expresso, no título dos princípios fundamentais, da dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso Estado democrático (e social) de Direito (art. 1º, inc. III da CF), o constituinte de 1987/88, além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do sentido, da finalidade e da justificação do exercício do poder estatal e do próprio Estado, reconheceu expressamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o homem constitui a finalidade precípua e não o meio da atividade estatal. (SARLET, 2001: 102-103)

No mesmo sentido,  Adeli Garcia Matias diz que: 

“A dignidade, como dito, significa também a possibilidade de desenvolvimento da personalidade do sujeito e é aí que se insere a conexão entre ela e a liberdade, no sentido de seguir sua vida conforme desejar” (MATIAS, 2004: 39) 

Também é necessário ressaltar que a autonomia da vontade está intimamente ligada à bioética, que tem como objetivo analisar se as técnicas utilizadas nas relações médicos/pacientes ferem o direito do ser humano, seja moral, físico ou psicológico.

Cabe ao médico informar ao seu paciente tudo que engloba o seu tratamento. Depois disso, incumbe o paciente fazer a sua escolha. Ronald Dworkin assevera que:

“A concepção de autonomia centrada na integridade não pressupõe que as pessoas competentes tenhas valores coerentes, ou que façam as melhores escolhas, ou que sempre levem vidas estruturads e reflexivas.

A autonomia estimula a capacidade geral das pessoas de conduzir suas vidas de acordo com uma concepção individual de seu próprio caráter, uma percepção do que é importante para elas” (DWORKIN, 2009: 319) 

Assim, deve ser respeitado o direito do paciente terminal, de postergar ou não sua própria vida, se deseja ou não se submeter a tratamento agressivo, degradante, de alto sofrimento.

Ronald Dworkin aborda o assunto com brilhantismo:

“O fato de estar ou não entre os direitos fundamentais de uma pessoa ter um final de vida de um jeito ou de outro depende de tantas outras coisas que lhe são essenciais – a forma e o caráter de sua vida, seu sendo de integridade e seus interesses criticos  – que não se pode esperar que uma decisão coletiva uniforme sirva a todos da mesma maneira” (DWORKIN, 2009: 301) 

Diante do exposto, tem-se que é legítimo ao paciente terminal através do principio da autonomia da vontade decidir se deseja prolongar ou não sua vida.

  1. Eutanásia, Ortonásia, Distanásia  e Suicídio Assistido

A bioética é o campo que estuda as questões morais na seara das ciências biológicas e da saúde, como tratamentos e pesquisas que envolvam, principalmente, os seres humanos. Através de uma perspectiva interdisciplinar procura resolver e entender dilemas éticos e valores humanos. (SILVA, 2008)

Um tema muito discutido nesta área é a possibilidade do ser humano dispor de sua vida, quando sua manutenção está prejudicada ou limitada pelo tempo, como no caso de doenças incuráveis ou quadro médico irreversível. Quando se apresenta ao profissional um caso assim, ele se vê diante de um dos maiores dilemas bioéticos atuais, se é mais digno e humano manter o paciente vivo a qualquer custo ou abreviar seu sofrimento.

A primeira solução que vêm à cabeça de muitos é o suicídio. No Brasil caso a pessoa decida por fim a sua própria vida, suicidando-se, não cometerá crime algum, mesmo que não logre êxito em sua empreitada. Porém, a ajuda moral ou material de terceiro ao suicida é um delito, inserido no rol de crimes contra a vida no artigo 122 do Código Penal[7], inclusive remetendo o autor ao Tribunal do Júri[8]. É o chamado suicídio assistido.

Maria Helena Diniz “esclarece que o suicídio assistido é a hipótese em que a morte advém de ato praticado pelo próprio paciente, orientado ou auxiliado por terceiro ou por medico.” (DINIZ, 2006:381)

Refutando esta alternativa tão agressiva ao corpo, existe outra, a eutanásia, que segundo o dicionário Aurélio trata-se de “1. Morte serena, sem sofrimento. 2. Prática pela qual se busca abreviar, sem dor ou sofrimento, a vida de um enfermo reconhecidamente incurável”. A eutanásia é defendida por aqueles que acreditam na antecipação da morte como meio de acabarem com o sofrimento de um doente terminal, cujo tratamento não traria resultados apenas mais dores.

 […] refere à prática de abreviar a vida do paciente incurável, poupando-o de dores. Outra forma seria a morte de doente incurável, submetido à forte sofrimento e dor de caráter físico e/ou emocional, causada por um terceiro movido por sentimento de compaixão e piedade em relação a este. Na eutanásia a morte é deslocada de tempo e modo, ou seja, tem-se a morte antes da hora de modo provocado objetivando ser de forma suave e indolor. (HÜBNER, 2013:14-15)

Temos ainda, a ortotanásia que consiste em um processo no qual o paciente terminal não terá sua vida encerrada antecipadamente. Ocorre pela omissão dos profissionais da saúde e da família, em não submeter o paciente a tratamentos invasivos e abusivos, que gerariam mais sofrimento sem perspectiva de cura. Considerada mais humana pelos estudiosos e defensores da morte digna, a ortotanásia busca amenizar as dores por meio de métodos paliativos (HÜBNER, 2013)

Difere da eutanásia, pois nesta há obrigatoriamente uma ação praticada que abreviaria a vida do indivíduo (injeção de medicamento, por exemplo), enquanto naquela deixa-se a pessoa seguir o curso natural de tempo até a morte, apenas diminuindo suas dores.

Outro conceito importante, na área da bioética, é o da distanásia. Método pelo qual a vida do paciente é mantida qualquer custo, ou seja, “a tecnologia médica é usada para prolongar penosa e inutilmente o processo de agonizar e morrer” (PESSINI, 2004).

Diante de tantas “soluções” para os casos de pacientes incuráveis, esta última não parece atender ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Ao contrário, a imposição de intervenções médicas abusivas para atender ao direito à vida, causando ao indivíduo mais sofrimento do que a doença em si lhe proporciona, parece desumano.

  1. Direito à Morte Digna

A Constituição Federal defende o direito à vida, porém em momento algum veta que o indivíduo disponha de sua vida da forma que desejar, ou seja, não criminaliza o suicídio, tão pouco penaliza aquele que não queira tratar-se de uma enfermidade.

Mas, quando um indivíduo singular e determinado é o único titular do bem jurídico – e esse é o caso da vida – sua possibilidade de disposição não pode sofrer qualquer limitação, aí incluída naturalmente a disposição que resulta na própria destruição do objeto. (PESSOA, 2011:48-49)

A imposição da continuidade da vida de uma pessoa desenganada pela medicina, apenas com o fim de se cumprir metas estatísticas fere profundamente o princípio da dignidade da pessoa humana. Este princípio é que garante ao indivíduo autonomia de escolher como viver sua vida e, portanto, o mesmo pode fazer quanto a sua morte. Verifica-se que a manutenção da vida de um indivíduo por meio de técnicas, equipamentos e tratamentos fortíssimos, mesmo que sua qualidade de vida diminua é desumana, e infringe completamente sua dignidade (CUNHA, 2012).

Evidente que a eutanásia e o suicídio assistido se mostram contrários as leis brasileiras, pois exige uma ação por parte de terceiro, que abreviaria a vida de outrem. Mas, a distanásia não se mostra a melhor opção, visto que fere direitos fundamentais e da personalidade, a imposição de tratamentos inúteis e fúteis ao indivíduo cuja morte é certa.

Dito isto, parece mais humano e digno a adoção da ortotanásia aos pacientes que não desejam prolongar sua vida, diante de uma morbidade incurável. Por não submeter o indivíduo a tratamentos invasivos, apenas amenizando as dores e sintomas consequentes a doença.

  1. Conclusão

Como se pode verificar o direito à vida é o mais importante direito que o homem possui, sendo garantido pela Constituição Federal, além dos mais diversos tratados internacionais de direitos humanos. Tornando praticamente impossível que indivíduo disponha deste direito como lhe convier, sem esbarrar nas leis, ética e moral.

Diante de tão elevada proteção à vida, a morte se tornou um tabu, algo que deve ser evitado ao máximo, não sendo mais vista como o fim natural de todos os seres vivos. As ciências médicas e a tecnologia buscam cada vez mais procrastinar o final da existência de uma pessoa, muitas vezes sem levar em consideração o desejo desta.

Ficou evidente, ainda, que a manutenção desmedida da vida de um doente terminal não lhe garante seu direito à dignidade, ao contrário, não há virtude em prolongar a vida de alguém que sente dores e tem de submeter a inúmeros tratamentos médicos.

Não se pode concordar, também, com a utilização da eutanásia e o suicídio assistido, que afrontam o ordenamento jurídico brasileiro, vez que exige que terceiro abrevie a vida de outrem.

A distanásia, fere direitos fundamentais e de personalidade, impondo ao doente incurável terapêuticas infrutíferas. Sem falar no sofrimento implacável imposto a todos os seus familiares.

A ortotanásia se apresenta como o método mais humano, que permite ao indivíduo uma morte digna, com menos dores e sofrimento físico e psíquico. Permitindo que a vida e a morte sigam seu curso natural, e que o ser humano aceite melhor a sua natureza perene.

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SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.

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VIEIRA, Tereza Rodrigues – Bioética e direito – 2ª ed. atual. – São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2003.

NOTAS:

[1] Art. 6o A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.

[2] CF, Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…] VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

[3] Reencarnação é o processo pelo qual o espírito, estruturando um corpo físico, retorna, periodicamente, ao polissistema material. Esse processo tem como objetivo, ao propiciar vivência de conhecimentos, auxiliar o espírito reencarnante a evoluir. (Sociedade Brasileira de Estudos Espíritas – http://www.sbee.org.br)

[4] CF, Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direitos e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana;

[5] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[6] Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente

[7] Art. 122, CP – Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça: Pena – reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.

[8] Art. 5º, CF/88 – XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: […] d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;

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